TEXTO DO MÊS – MAIO/17

Me perguntaram uma vez se chovia onde eu moro.

“É claro que sim!”, respondi.

Hoje, como naquele dia, ainda chove onde eu moro, mas talvez não da forma como chove na cidade do amigo que me perguntou isso. Onde moro, chove repentinamente – a maior parte das vezes, bem fraquinho. Mas, mesmo quando a água cai forte, é sempre uma chuva que parece branda. Se tapássemos nossos ouvidos, poderíamos até confundi-la com um nevoeiro. É uma chuva como um menino pequeno e desarrumado que vemos na rua… pode nos pedir uma esmola ou nos apontar uma arma.

Acho que o que me interessa ainda mais na chuva daqui não é a água (para o litoral tão comum), mas o fato de que, logo após a mais pífia garoa ou a mais assustadora tempestade, o sol surge ofuscando os olhos novamente e a cidade brota dos prédios e casas e toldos feitos de abrigo. A lama começa a ser limpa tal qual se limpam os confetes de Carnaval, em fevereiro.

Outras chuvas podem ser muito diferentes – já vi chuvas muito, muito frias, sem entender como alguém conseguia sequer reunir a coragem para enfrentar o dia diante dela. Em outros lugares, foi uma chuva suja e fedorenta, da qual todos corriam (ou talvez corriam para a vida e a chuva só estivesse ali. Naquela cidade se corre muito, se anda muito, se faz muito).

Depois da chuva, onde eu moro, ainda há o mar, a areia, o cheiro de comida nas esquinas, os pontos de ônibus (mais) cheios, a nostalgia. Me pergunto às vezes se essa nostalgia não é nem soteropolitana – dizem que veio com os portugueses, ou com os escravos, ou com -, mas é impossível negar que ela está aqui. Está aqui o ano todo, antes do Carnaval, expectativa muda, depois, saudades alegres, nos domingos de futebol, tensão e calor, está no mar o tempo todo, as ondas que vão e vão e vão e nunca chegam nem voltam, está na cidade depois da chuva, que comenta o aguaceiro que acabou de cair, levanta o que caiu e aguarda o próximo, que sempre chega. Descobri há uns dias que moro em uma das cidades que mais chove no mundo. Nem parece – onde eu moro, tudo e toda gente insiste em ser só e somente sol.

Caroline Magalhães – Bolsista do PETCOM

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