voltar

Cultura e Conhecimento
Lívia Nery

Edgar Morin, em cultura e conhecimento, trata exaustiva e repetidamente da relação entre estes dois temas, como estão interligados e porque são interdependentes.
Para entender seu raciocínio, torna-se necessário ressaltar que é através das interações "cerebrais/espirituais" (Morin, 23) entre os indivíduos do grupo social existente, que a cultura se desenvolve e transmite.
Segundo Morin a cultura existe como tal a partir do "capital cognitivo coletivo"(Ibidem) de um grupo social, que pode ser entendido por "conhecimentos adquiridos", "competências aprendidas", "experiências vividas", "memória histórica" e "crenças míticas de uma sociedade" (Ibidem). Vê-se neste estágio do texto, um ponto de partida: o capital cognitivo. Morin desenvolve um ciclo em que, dispondo do capital cognitivo coletivo, a cultura produz "regras/normas culturais" (Ibidem) que geram novos processos sociais, novos comportamentos, renovando a própria cultura produtora. "... o que é produzido e gerado se torna produtor e gerador do que produz ou gera." (Ibidem)
A sociedade entra neste ponto da análise na medida em que sem ela, sem interações no grupo social, não se pode pensar em cultura. Quando a cultura é regenerada, a sociedade também o é. Nesta altura Morin chama atenção novamente para o fato de que são os indivíduo, eles próprios como "portadores/transmissores" de cultura, que causam a regeneração.
Cabe fazer uma observação quanto ao termo adotado por Morin, "regenera" (Idem, 24). Quando se diz que a cultura se regenera a partir das novas interações entre os indivíduos, se diz tão somente que ela se modifica. Qualquer conotação valorativa de dar nova vida ao que estava destruído, melhorar, não deve existir.
A idéia central pode ser explicada mais uma vez, da seguinte maneira: A cultura é uma máquina que a partir dos conhecimentos adquiridos dentro da sociedade a qual ela pertence, gera uma nova prática de adquirir conhecimento. Entra, neste momento, a metáfora do grande computador, que consiste em considerar a cultura de uma sociedade como um "megacomputador" (Idem, 24), conectado a terminais em cada indivíduo, e estes ligados uns aos outros em rede. Os terminais, observadores, transmitem os dados cognitivos provenientes das interações na rede para o megacomputador, e recebem um 'download' das "normas práticas, éticas, políticas" que a cultura prescreve. A cada interação ocorre um 'upgrade' no megacomputador que é a cultura.
O problema deste modelo metafórico é a idéia de que pode haver um ponto de partida para o ciclo, enquanto que não há. Não é a partir do capital cognitivo transmitido ao megacomputador que ele passa a existir. Ele está nas próprias relações, no veículo linguagem através do qual as interações se dão, enfim, havendo capital cognitivo, ele já está impregnado de cultura. Ela não está em uma central 'sozinha', processando dados cognitivos e prescrevendo regras culturais. Ela transita entre os homens e se "regenera" (Idem, 24) a cada interação.
Por isso o ciclo conhecimentoócultura, que iniciou o texto, elucida melhor esta relação por não deixar dúvidas de que pensar em um é pressupor o outro para produzi-lo.
Deste ponto em diante, Morin executa uma linha de pensamento que leva a um questionamento, muito bem respondido por ele.
Se a cultura é a lente sob a qual o indivíduo/espírito se expõe ao mundo e o conhece, ela se regenera a partir das ações do próprio indivíduo/espírito sob o efeito desta lente. Morin explica: "Os indivíduos só podem formar e desenvolver o seu conhecimento no seio de uma cultura, a qual só ganha vida a partir das inter-retroações cognitivas entre os indivíduos?
Nesta relação, pode surgir a dicotomia entre autonomia e dependência do conhecimento individual com relação à cultura, na medida em que o capital cognitivo individual é impregnado de cultura e possui uma liberdade relativa para regenera-la. Tudo isso implica assumir, porém, que o conhecimento recebido é moldado no enquadramento social individual . Portanto, as 'marcas' da esfera sociocultural se introduzem no ser humano desde muito cedo, e caracterizam um "imprinting cultural" (Idem, 29), segundo o autor, "freqüentemente sem retorno". São formados "princípios", "regras" e "instrumentos do conhecimento" (Ibidem), que podem fechar as portas para as potencialidades de adquirir novos conhecimentos.
Surge então o questionamento: Se o conhecimento intelectual é selecionado de alguma forma, se está sujeito a rejeição em função de modelos culturais, a tendência seria sempre um fortalecimento do conhecimento condicionado em uma realidade social, ou seja, o resultado seria sempre um reforço às regras/normas culturais, "nada seria capaz de liberta-los" (Idem, 30). Porém, é sabido que isto não ocorre na sociedade, cuja história mostra exemplos variados de comportamentos desviantes, de oposição a ordens sociais e determinismos culturais.
Morin consegue explicar, de maneira clara, como surgem os comportamentos desviantes baseando-se na relativa autonomia humana. Ele diz: "Os indivíduos não são todos, e nem sempre, mesmo nas condições culturais mais fechadas, máquinas triviais, obedecendo impecavelmente à ordem social e às injunções culturais" (Idem, 30).
Isso porque, certamente não se pode ignorar que as diferentes instâncias, "entidades de referência" (Idem, 25) que coordenam as operações cognitivas dentro de determinadas culturas, podem comportar-se de formas "complementares, concorrentes e antagônicas" (Ibidem). Das oposições entre instâncias de referência em determinada cultura, podem ser gerados os conflitos no pensamento humano, que possivelmente produzirão desvios com poder de modificar imposições aparentemente invulneráveis.
Segundo o autor, o complexo bioantropológico do homem, em interação com o seu hipercomplexo sociocultural são as instâncias que regem até mesmo as idéias mais simples, e esta interelação complexa pode ser em boa medida "complementar, concorrente, antagônica, recursiva e hologramática" (Idem, 27). Surge a compreensão da autonomia relativa do indivíduo, que faz da contradição uma reflexão, e dela um "pensamento pessoal" (Idem, 31).
É importante também, e o autor reconhece, a interação que há entre diferentes culturas, e no intercâmbio de saberes, conhecimentos e idéias, as mesmas culturas se regeneram, possivelmente a partir de choques com os princípios que a regem.
É o que se vê hoje. Surgem os desvios, as subculturas (sem sentido valorativo, mas de dissociação de uma cultura maior), as diferentes tribos. As instâncias vão se dissolvendo, e as dissidências chegam a inúmeros níveis. Tudo isso ocorre ao mesmo tempo, em desordem. E o homem, solto, passa a questionar cada vez mais a que grupo pertence, qual é sua identidade diante das variadas dissidências que a cultura abarcou. Muitas vezes, ele se fortifica nele mesmo, na sua individualidade, fugindo de estruturas e grandes sistemas que o sustentem.

Referência bibliográfica:
MORIN, Edgar. Cultura e conhecimento.

Novidades

FRAUDE 4!!
A Fraude 4 está pronta, linda, e será lançada no dia 1 de dezembro na SaladeArte do Museu, com direito a comida mexica e uma sessão especial de um filme inédito. Confira mais clicando aqui.

Petshop
Confira o site de crítica cultural desenvolvido pelos bolsistas do Petcom.

Pílulas de Conhecimento
Todo mês o Petcom promove debates sobre coisas interessantes, com gente interessante.Confira a primeira edição de 2005!

Animapet 3
Confira o que rolou na 3 edição do evento que reuniu animês, filmes e palestras sobre Ficção Científica.

PETCOM - Programa de Educação Tutorial